sexta-feira, 7 de setembro de 2018

A luta de classes na Independência do Brasil

A luta de classes na Independência do Brasil


O povo na luta pela Independência 

De tão repetida a afirmação de o povo não teria participado das lutas pela independência do Brasil ganhou ares de verdade! Entre os historiadores mais conservadores é muito forte a convicção de que a separação com Portugal teria sido obra exclusiva do herdeiro da Casa de Bragança, o príncipe Pedro, que depois se tornou o primeiro imperador brasileiro.

Por José Carlos Ruy 

O Brasil comemora, neste 7 de setembro, 193 anos daqueles acontecimentos históricos e está às vésperas do segundo centenário daquela data importante. São quase dois séculos de luta pela plena autonomia do país. No início do século XIX foi conquistada a independência política - isso todos aprendemos nas escolas e nas datas comemorativas. Mas a soberania plena, principalmente econômica, ainda não foi conquistada.

A versão de que o povo não participou das lutas pela independência foi construída pelos historiadores conservadores desde a obra de Francisco Adolfo de Varnhagen, o historiador palaciano e conservador, cuja obra - publicada inicialmente em 1853 – injuriou heróis como Tiradentes e José Bonifácio, tratou qualquer rebelião popular como caso de polícia (que em sua opinião mereciam, acusa o historiador Capistrano de Abreu, este sim ligado ao Brasil e aos brasileiros, a forca e o fuzilamento!). E criou s lenda de que a Independência fora obra exclusiva de D. Pedro que teria se tornado, portanto, merecedor da gratidão dos brasileiros. 

Não foi assim que ocorreu entretanto. A independência resultou de lutas intensas, que envolveram os brasileiros na Bahia, Pará, Piauí, Maranhão e também Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e outras províncias.

A ação popular na Independência é pouco estudada e está à espera de seu historiador. No Rio de Janeiro setores populares, plebeus, participaram da luta e publicaram jornais com seus pontos de vista. Um exemplo é a Nova Luz Brasileira, de Ezequiel Correia dos Santos e João Batista de Queirós, que circulou no Rio de Janeiro em 1829, e trazia a visão de “artesãos, comerciantes, farmacêuticos, soldados, ourives, representantes da pequena burguesia e das camadas populares urbanas”. 

Aquele jornal defendia a monarquia constitucional representativa, e condenava “a escravidão e a discriminação racial” e propunha uma limitada “emancipação dos escravos” (Costa: 1977).

Ações semelhantes de gente do povo, como artesãos, pequenos comerciantes, representantes da pequena burguesia, ex-escravos, ocorreram em grande parte das cidades brasileiras. 

No Nordeste a Revolução de 1817 foi um prenúncio dos embates que culminaram na proclamação da Independência cinco anos depois. Havia, desde o fnal do século XIX, um estado de inquietação generalizada no qual crescia a discussão sobre a obediência devia ao monarca, escreveu o historiador Carlos Guilherme Mota. E que dava, às vezes, a “sensação de que se um gritasse todos o seguiriam”. Foi nesse contexto de forte insubordinação que ocorreu a Revolução Pernambucana de 1817 (Mota: 1972).

Aquela inquietação envolvia o povo mais pobre, como registrou o português José Lopes Cardoso Machado, em carta de junho de 1817 (citada por Mota), onde descreveu (com fúria condenatória) a insubordinação popular. Ele investiu contra os boticários, cirurgiões, sangradores, “cabras, mulatos e crioulos” que acusou de andarem “atrevidos” e pregando a igualdade. 

Na Bahia, comportamento semelhante se manifestou na guerra da Independência, vencida pelos nacionais em 2 de julho de 1823, quando as tropas portuguesas comandadas pelo general Madeira de Melo foram derrotadas e expulsas.

Houve conflitos nas ruas de Salvador, com saques e arrombamentos. Nessa luta tombou a heroina da Independência Joana Angélica de Jesus, abadessa do Convento da Lapa, assassinada por tropas portuguesas que invadiram o convento em 19 de fevereiro de 1822.


Conhecida principalmente pelo ato de bravura final de sua vida, Joana Angélica tem hoje sua imagem reconstruída por historiadores que pontuam sua importância também como mártir da fé.

Na Bahia, Pará, Piauí e Maranhão a guerra pela independência talvez tenha sido a maior que ocorreu em toda a América do Sul. Pelo menos foram batalhas nas quais participaram mais soldados do que nas lutas lideradas por Simon Bolivar! 

O movimento pela independência envolveu dois antagonismos sociais básicos. Num nível a luta de classes repetia velhos antagonismos coloniais e opunha a aristocracia rural nativa aos mercadores portugueses. No outro nível estava a polarização mais radical, entre senhores e escravos. 

Desde 1808, com a transferência da Famíilia Real para o Rio de Janeiro (que se tornou a vedadeira capital do Império português), a influência dos grandes negociantes sediados no centro-sul (especialmente a burguesia mercantil do Rio de Janeiro) junto ao príncipe regente, D. João, foi reforçada. Eles foram financiadores interesseiros dos gastos do governo, e conquistaram cargos oficias estratégicos. Foi assim que aquela oligarquia de comerciantes, formada sobretudo por traficantes de escravos, conquistou forte ascendência sobre a nação que se formava. 

Foram seus interesses materiais, de classe, que prevaleceram no processo da Independência. Foram eles que caracterizaram a via não revolucionária para o rompimento com Portugal. Via que Euclides da Cunha, em À Margem da história (1909) classificou pioneiramente como uma “paradoxal revolução pelo alto” (Cunha: 1966).

As atitudes de D. Pedro estavam de acordo com os interesses de classe dessa elite agromercantil formada por negociantes de grosso trato, traficantes de escravos e controladores das navegações de cabotagem. Este foi o setor da classe dominante mais favorecido pela vinda da Família Real, que criou condições favoráveis à expansão da base material de sua existência.

Era uma elite que, preconizando a separação com Portugal, estava solidamente ligada à burguesia estrangeira, principalmente inglesa. O tráfico negreiro era uma das principais atividades do comércio externo devido ao grande volume de dinheiro que envolvia e ao grande número de pessoas que empregava. Os traficantes (só no Rio de Janeiro havia 65 grandes negociantes) constituiam “uns dos mais fortes grupos de pressão existentes na época” (Gorenstein: 1993).

A ideia de Independência definitiva e completa só se configurou claramente diante de duas ameaças: de um lado, a tentativa de recolonização, que vinha de Lisboa depois do retorno da Família Real a Portugal. Do outro, a radicalização democrática da luta pela Independência. 

Aquela elite agromercantil temia, escreveu a historiadora Riva Gorenstein, “que a radicalização do movimento da independência levasse à desorganização do sistema escravista de produção, do comércio interno de abastecimento e das relações mercantis do Brasil com as nações estrangeiras. Temiam que a população livre e marginalizada do processo produtivo se revoltasse, passando a exigir para si uma série de direitos políticos e sociais. Temiam principalmente que os movimentos de rua levassem à anarquia e à destruição da propriedade privada” (Gorenstein, 1993).

Este setor da classe dominante pretendia a mudança política que a Independência significava mas sem qualquer mudança que alterasse a organização social baseada no escravismo, no latifúndio e no comércio colonial. 

No conflito entre os setores plebeus, quem prevaleceu no processo da independência foram os interesses dessa oligarquia formada pelos antepassados da atual elite neoliberal em nosso país.

A história do Brasil independente tem sido marcada pelo conflito entre os interesses daquela elite, que agora é chamada de neoliberal, e os interesses de toda a nação. 

Passados dois séculos desde a independência, o mesmo conflito opõe a especulação financeira aliada ao imperialismo ao povo, aos trabalhadores e empresários da produção. 

Esse conflito foi, historicamente, resolvido à direita. José Bonifácio não conseguiu manter-se no governo, nos anos da Independência, pois entrou em choque com os antepassados dos atuais neoliberais que não aceitavam qualquer programa de desenvolvimento autônomo para o Brasil. Mais tarde, Floriano Peixoto, Getúlio Vargas e João Goulart também não conseguiram manter-se no governo pelas mesmas razões - bateram de frente com os privilégios daquela elite especuladora e anti-nacional. 

O mesmo conflito do povo contra as forças anti-nação está colocado hoje para os brasileiros: a luta para completar a tarefa da Independência e garantir um desenvolvimento que atenda ao bem estar de todos e fortaleça a soberania do Brasil.

Referências

Abreu, Capistrano de - "Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro, in Ensaios e Estudos, 1ª Série. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1975

As Câmaras Municipais e a Independência 
1973 - Rio de Janeiro/Brasília. Conselho Federal de Cultura/Arquivo Nacional. Departamento de Imprensa Nacional. Vol. II, 1973

Costa, Emília Viotti da. “José Bonifácio: mitos e fábulas”. In Costa, Emília Viotti. Da monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo, Editorial Grijalbo, 1977

Cunha, Euclides. Antologia. Organizador: Olympio de Souza Andrade. São Paulo, Edições Melhoramentos, 1966

Gorenstein, Riva. Comércio e política: o enraizamento dos interesses mercantis portugueses no Rio de Janeiro (1808-1830). In: Lenira Menezes Martinho e Riva Gorenstein. Negociantes e caixeiros na sociedade da Independência. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1993.

Mota, Carlos Guilherme. Nordeste 1817. São Paulo, Perspectiva, 1972

Mota, Carlos Guilherme. 1822: dimensões. São Paulo, Perspectiva, 1972 

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